Em um passado não tão distante, as crianças e adolescentes se divertiam correndo em casa, na escola e na praça, e davam asas à imaginação para bolar brincadeiras com amigos de verdade.
No avançar da segunda década do século XXI, no entanto, estão cada vez mais hipnotizados pelas telas dos celulares, tornando-se alheios à vida real e expondo-se, sem querer ou saber, a problemas comportamentais, emocionais e físicos.
É o que aponta uma série de pesquisas ao redor do globo, em um movimento de alerta dos especialistas: a geração atual e seus entornos, estão dependentes das telas, e não conseguirão mitigar, o vínculo que gerou vício.
Com o aumento do acesso à internet, a profusão de jogos on-line e as horas ininterruptas de programação infanto-juvenil na TV nas últimas décadas, pais, cuidadores e escolas puderam observar que as atividades dinâmicas e de interação social passaram a ser substituídas pela onipresença das telas, agora representadas pelos populares tablets e smartphones.
Atentas
ao fenômeno, as entidades de pediatria no Brasil e nos demais países começaram
a alertar para os danos ao desenvolvimento sócio emocional e, em 2019, a
Organização Mundial da Saúde (OMS) atualizou suas diretrizes e lançou um
documento no qual convocava crianças a sentar menos e brincar mais.
Ocorre um descompasso entre a fase da vida em que o corpo
está com mais energia e a inércia desencadeada pelos dispositivos eletrônicos.
Até o momento, as recomendações mais rígidas se concentravam na primeira
infância, fase crucial para o desenrolar das habilidades cognitivas. Logo,
ficou estabelecido que o acesso a telas deveria ser vetado para menores de 2
anos e que a liberação ocorreria de forma pontual e gradativa nas demais faixas
etárias.
Nessa linha, uma análise realizada com 220 famílias com crianças da mesma faixa etária publicada no periódico Jama Pediatrics traz uma das consequências da superexposição: o uso prolongado dos aparelhos resultou em menos interação verbal dos pequenos com os pais.
“A utilização de telas é
uma epidemia e houve um crescimento exponencial após a covid-19. Com isso,
tivemos piora nos indicadores de saúde física e mental”, afirma o pediatra
Eduardo Jorge Custódio da Silva, do Grupo de Trabalho de Saúde Digital da
Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Estudiosos e outros experts acreditam que o maior desafio
atual resida justamente em separar as contribuições das tecnologias para o
aprendizado e a inclusão social da exposição nociva que afeta corpo e mente.
“Os pais distraem as crianças com jogos por medo da bagunça, mas o ponto é que
elas precisam correr e pular”, afirmam.
Além da revisão de hábitos em família, as escolas também estão discutindo o que fazer com os smartphones dos mais novos. Colégios dentro e fora do Brasil já debatem o tema com os pais e a restringir o acesso aos aparelhos — em alguns casos, eles ficam confinados em um armário durante as aulas, só se tornando disponíveis na saída da escola.
A medida, que divide
opiniões, se expande em escolas públicas e particulares. Segundo relatório da
Unesco, divulgado no ano passado, um quarto dos países já aderiu a iniciativas
do tipo em ambientes escolares.
Expostos de forma intensiva às telas brilhantes a poucos
centímetros do rosto, muitos jovens começaram a apresentar olho seco e miopia.
O excesso de estímulos visuais também está associado a distúrbios do sono, que
desencadeiam queda no rendimento escolar, crises de enxaqueca, irritabilidade e
dependência.
Essa população está enfrentando doenças antigas com novas
roupagens, fora os transtornos inéditos. “Síndrome do toque fantasma, quando a
pessoa sempre acha que o celular está tocando, e a ‘Nomofobia’, que vem de ‘no
mobile’ fobia, o medo de sair sem o celular”.
Pesquisadores denunciam que as mídias sociais, a que os
jovens têm acesso mesmo com as supostas travas de controle etário, criam
padrões irreais e disseminam uma corrente de informações em uma velocidade tão
caótica que os usuários se tornam vítimas de uma atenção fragmentada, compulsão
tecnológica, comparação social e solidão.
Um levantamento da Fiocruz apontou aumento de 6% na taxa de
suicídio no Brasil no período de 2011 a 2022 entre pessoas de 10 a 24 anos — o
índice de mutilações cresceu 29%. Os cientistas e clínicos que se debruçam
sobre o fenômeno são unânimes em dizer que é necessário despertar um movimento
amplo, englobando governos, pais, educadores e as empresas responsáveis pelas
tecnologias.
Há um consenso de que o caminho para tirar crianças e jovens
das garras eletrônicas passa pela reconexão com os pais, os amigos e os espaços
coletivos. Mas quem vai deixar o filho brincar na rua ou no parque com a
violência à solta?
O assunto, portanto, invade a arena das políticas públicas. Afinal, crianças e adolescentes precisam de contato genuíno com as atividades que fizeram o ser humano desbravar novos ambientes e emoções, bem como lidar com sentimentos como tédio e silêncio.
Nem tudo pode ser substituído por uma
tela de celular.
Fonte: Revista Veja
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